SUBDESENVOLVIMENTO E O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO E SUSTENTÁVEL
Prof. Ionnara Vieira de Araujo
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás - Brasil
(in lingua portoghese)
ABSTRACT: The concept of underdevelopment as a result of the development discourse imposed on the countries of the "third world" entails not only discrimination as the models makes the production hegemonic said. In rural areas before the environmental movements born discourse of sustainable development in reaction to the agricultural production model imposed by the neoliberal global market.
Ionnara Vieira de Araujo **
RESUMO: O conceito de subdesenvolvimento como decorrência do discurso desenvolvimentista imposto aos países do “terceiro mundo” acarreta não apenas discriminação como os subordina a modelos de produção ditos hegemônicos. No meio rural diante dos movimentos ecologistas nasce o discurso do desenvolvimento sustentável em reação ao modelo de produção agrícola imposta pelo mercado neoliberal global.
ABSTRAT: The concept of underdevelopment as a result of the development discourse imposed on the countries of the "third world" entails not only discrimination as the models makes the production hegemonic said. In rural areas before the environmental movements born discourse of sustainable development in reaction to the agricultural production model imposed by the neoliberal global market.
PALAVRAS CHAVE: desenvolvimento sustentável, política pública.
KEY WORDS: sustainable development, política pública
INTRODUÇÃO
A produção agrícola traz consigo inúmeros riscos. Variáveis que podem impactar negativamente na produção como os fenômenos climáticos adversos, as pragas e as doenças, além das variações de preços que nem sempre garantem o retorno ao produtor do valor do custo da produção. Sem falar em outros fantasmas como as taxas de câmbio e de juros, a carga tributária, as barreiras comerciais e sanitárias, as oscilações de preços dos insumos e produtos agrícolas, dentre outros. Passando por tudo isso, o agricultor ainda deve produzir sem causar impactos ambientais negativos.
Não se trata de um discurso antiecológico. Pretende-se com este estudo demonstrar que não se pode exigir do homem do campo, em sua maioria sem instrução, sem preparo e sem recursos, o heroísmo de salvar o planeta. Desenvolvimento sustentável somente deixará de ser um slogan e pertencerá a realidade de nosso país quando houver políticas públicas, especialmente agrícolas, que tenham por objetivo investir no homem do campo e em sua realidade social.
A agricultura intensiva, a monocultura e a pecuária de corte, voltadas para a exportação, transformaram as relações agrárias (sociais, culturais, econômicas e ambientais) no centro-oeste brasileiro. Em resistência a este modelo de produção capitalista surge o desenvolvimento alternativo que propõe alternativas baseadas em iniciativas coletivas, de gestão solidária, com propostas de produção e intercâmbio não capitalistas.
Pretende-se com este artigo estabelecer as inter-relações entre as políticas públicas (agrárias e agrícolas), em especial o SAPI (Sistema Agropecuário de Produção Integrada), e seus impactos na sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental.
Procedeu-se a uma análise crítica e descritivada problemática, fundando-se em elementos atinentes ao sistema de produção integrada, política pública do atual Governo, confluente aos princípios basilares do sistema, sob a ótica da prevenção e defesa dos direitos, sociais e individuais. A pesquisa lançou mão do método comparativo e histórico de análise, a fim de resgatar as bases históricas do discurso de desenvolvimento e os sistemas agrícolas propostos atualmente.
Como referencial teórico, esta pesquisa se fundou nas idéias de Eros Roberto Grau, numa perspectiva de que se vive em um processo de globalização capitalista neoliberal cuja resistência há de ser a defesa das economias de pequena escala, diversificadas, auto-sustentáveis, tenham autonomia e promovam soluções de sustento para a vida de populações e ao mesmo tempo protejam o planeta.
Além deste autor, como referencial teórico, serão utilizadas as teorias do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, expressas na obra Produzir para Viver: os caminhos da produção não capitalista. Este autor escreve que em reação à globalização neoliberal, está emergindo uma outra globalização, constituída pelas redes e alianças transfronteiriças entre movimentos, lutas e organizações locais e nacionais que nos diferentes lugares do globo se mobilizam para lutar contra a exclusão social, a precarização do trabalho, o declínio das políticas públicas, a destruição ambiental e da biodiversidade, as violações dos direitos humanos produzidos direta ou indiretamente pela globalização neoliberal.
Inicialmente, fez-se uma análise histórico-conceitual dos discursos do subdesenvolvimento, do desenvolvimento alternativo e do desenvolvimento sustentável. Logo em seguida, passou-se a análise das políticas públicas, em especial as políticas agrícolas de certificação ambiental. Por fim, o SAPI, fomentado no atual governo, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
1 SUBDESENVOLVIMENTO E O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO E SUSTENTÁVEL
O termo “subdesenvolvido” foi usado pela primeira vez por Wilfred Benson, antigo membro da Organização Mundial de Trabalho, que em 1942, ao escrever suas bases econômicas para a paz, referiu-se às “áreas subdesenvolvidas”. No entanto, esta expressão encontrou eco somente em 20 de janeiro de 1949, no discurso de Truman, que “deu um novo significado ao desenvolvimento e criou um símbolo, um eufemismo, que, desde então, passou a ser usado para, discreta ou inadvertidamente, referir-se à era da hegemonia norte-americana.” [1]
Truman, em seu discurso de posse, exaltou o papel do povo americano como guardião do progresso e da liberdade, missão que o desenvolvimento por ele atingido lhe impunha. Lançou uma espécie de cruzada contra a pobreza e o subdesenvolvimento, conduzida pelos EUA, como líder das nações livres. O conteúdo e as conseqüências do empreendimento iniciado por Truman foram um marco no processo de construção do desenvolvimento, como um valor absoluto e universal, em busca do qual todos os países deveriam direcionar seus esforços.[2]
Assim, com o discurso do até então presidente da maior nação capitalista, dita desenvolvida, mais da metade do mundo naquele dia passou a ser considerado subdesenvolvido. “O desenvolvimento começou a funcionar como uma prática discursiva, como uma maneira de criar e estabelecer relações entre múltiplos aspectos da realidade social, convertendo-se em um espaço para a criação sistemática de conceitos, teorias e práticas.”[3]
Assim, o conceito de desenvolvimento passou a ser um discurso ocidental dominador que “converteu a história em um programa: um destino necessário e inevitável. O modo de produção industrial, que era nada mais que uma entre as muitas formas de vida social, tornou-se por definição o estágio final de um caminho unilinear para a evolução social.”[4] Assim, “a metáfora do desenvolvimento deu hegemonia global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de povos com culturas diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social.”[5] Conforme Gustavo Esteva, estes povos escravizados pelo estigma de subdesenvolvidos, passam por experiências de subordinação, de discriminação e de subjugação ao discurso de desenvolvimento imposto pelos ditos hegemônicos.[6]
Este discurso, hoje, prediz sempre uma “mudança favorável, um passo do simples para o complexo, do inferior para o superior, do pior para o melhor, indica que estamos progredindo porque estamos avançando segundo uma lei universal necessária e inevitável”[7]. E ao mesmo tempo esse significado para estes povos “é um lembrete daquilo que eles são. Faz com que se lembre de uma condição indesejável e indigna. Para escapar dessa condição, precisam escravizar-se a experiências e sonhos alheios”.[8] Assim, com este discurso, desenvolvimento passou a significar “escapar da condição indigna chamada de subdesenvolvimento.”[9].
Frente a isto, várias teorias foram criadas para definir subdesenvolvimento. Um dos mais comuns é o que vê:
Las economías subdesarrolladas se caracterizaban por el deterioro de los términos de intercambio de sus productos primarios (frente a los productos manufacturados provenientes de los países industrializados), por su necesidad urgente de cambio tecnológico, y porque sus precios cambiaban continuamente como resultado de sus tendencias inflacionarias. También tenían un nivel mucho menor de ahorro. El mayor obstáculo para el desarrollo era, entonces, la baja disponibilidad de capital. Más aún, aunque pudiera incrementarse el ahorro, seguiría existiendo una “brecha de ahorro” que debería aleñarse con ayuda externa, prestamos o inversión privada externa. Pese a estas diferencias, las teorías de crecimiento desarrolladas para las economías industrializadas determinaron en gran parte los modelos de desarrollo económico aplicados en el Tercer Mundo.[10].
O desenvolvimento neoliberal global deixa em seu caminho, ou de alguma forma até cria, grandes áreas de pobreza, estagnação, marginalidade e uma verdadeira exclusão do progresso social e econômico que é demasiadamente evidente e urgente para ser ignorado.[11] Também contrário a este estigma, Arturo Escobar leciona que:
La noción de subdesarrollo que crearon ocupó el espacio discursivo de tal manera que impidió la posibilidad de crear discursos alternativos. Al construir la “economía subdesarrollada” como caracterizada por un círculo vicioso de baja productividad, falta de capital e industrialización inadecuada, los economistas del desarrollo contribuyeron a una visión de la realidad en cual apenas contaban el aumento en el ahorro, las tasas de crecimiento, la atracción del capital foráneo, el desarrollo de la capacidad industrial, y así sucesivamente, esto excluía, desde luego, la posibilidad de articular una óptica del cambio social como proyecto a concebir no sólo en términos económicos, sino como proyecto global de vida cuyos aspectos materiales no fueran al mismo tiempo la meta y el limite, sino más bien un espacio de posibilidades para tareas individuales y colectivas más amplias, culturalmente definidas.[12]
O discurso de desenvolvimento está atrelado ao atual regime de globalização neoliberal, forma hegemônica da globalização, que busca a acumulação de capital e a libertação das amarras sociais e políticas que historicamente trouxeram benefícios sociais. Neste sistema é desigual a distribuição dos custos e das oportunidades produzidos o que gera o “aumento exponencial das desigualdades sociais entre países ricos e países pobres e entre ricos e pobres no interior do mesmo país”.[13]
A idéia de modernização enquanto caminho para se chegar ao patamar de produção e consumo das economias industrializadas, era levada às últimas conseqüências. O empreendimento envolvia: desejo e decisão dos países pobres para mudar sua condição; produção de conhecimentos – diagnósticos – acerca da realidade que se desejava transformar; planejamento de ações; e, a assistência dos organismos internacionais especializados, que além de garantirem o adequado investimento de capitais, se responsabilizariam pela difusão de tecnologias modernas, imprescindíveis na luta contra a estagnação.[14]
Em face dos efeitos excludentes do modelo convencional de desenvolvimento, busca-se alternativas por meio de comunidades organizadas por “um processo de construção de poder comunitário que pode criar o potencial para que os efeitos das iniciativas econômicas populares atinjam a esfera política e gerem um círculo virtuoso que contrarie as causas estruturais da marginalização.”[15]
Las comunidades locales aportan sus recursos materiales y culturales para resistir su choque con el desarrollo y la modernidad. La persistencia de modelos económicos híbridos y locales, por ejemplo, refleja las resistencias culturales que se presentan cuando el capital intenta transformar la vida de las comunidades. La diferencia cultural se convierte, de hecho, en un efecto de la creación de formas de conexión estructuradas por los sistemas globales de producción económica, cultural y política. Forman parte de lo que Arjun Appadurai (I99I) llama etnoespacios globales.[16].
A origem da teoria do desenvolvimento alternativo se deu no início dos anos 1970, devido ao descontentamento com a abordagem tradicional do desenvolvimento, estampados na Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente de 1972, no México em 1974 com o Seminário sobre “Padrões de Utilização dos Recursos, o Meio Ambiente e as Estratégias para o Desenvolvimento”, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e com a criação na Suécia da Fundação Internacional de Alternativas de Desenvolvimento, em 1976, cujas publicações sintetizaram os pilares da teoria.[17] “La reconstrucción del desarrollo tiene que comenzar, entonces, por un examen de las construcciones locales, en la medida en que constituyen la vida y la historia de un pueblo, esto es, las condiciones del cambio y para el cambio. “[18]
O desenvolvimento alternativo é “contra a idéia de que a economia é uma esfera independente da vida social, cujo funcionamento requer o sacrifício de bens e valores não econômicos – sociais (v. g., igualdade), políticos (v. g., participação democrática), culturais (v. g., diversidade étnica) e naturais (v.g., o meio ambiente)”[19]. Propõe que a economia seja parte integrante e dependente da sociedade devendo subordinar os fins econômicos à proteção destes bens e valores. Busca nos valores da igualdade e da cidadania a plena inclusão dos setores marginalizados na produção e no usufruto dos resultados do desenvolvimento, não rejeitando a idéia de crescimento econômico. [20]“Las etnografías locales del desarrollo, y las teorías de las culturas híbridas, constituyen un paso adelante, aunque tienden a quedarse cortas en sus análisis de la dinámica capitalista que circunscribe a las construcciones culturales locales. “[21]
Reivindicação da diversidade cultural e da diversidade de formas de produzir e de entender a produção, que existem hoje por todo o mundo, apesar da expansão da economia capitalista e da ciência moderna. Perante a evidência dos efeitos sociais e ambientais perversos da produção capitalista e da cultura materialista e instrumental que a torna possível, a fonte de alternativas ao desenvolvimento encontra-se nas culturas hibridas ou minoritárias das quais “podem emergir outras formas de construir economias, de satisfazer as necessidades básicas de viver em sociedade”.[22]
Para que existam alternativas de produção é essencial a “articulação com alternativas econômicas progressistas relacionadas com a distribuição, o consumo, a redistribuição de recursos, as políticas de imigração, a proteção dos direitos trabalhistas e ambientais”.[23] E em reação a destruição ambiental provocada pelo modelo hegemônico de desenvolvimento, surge no final dos anos 1980 propostas de desenvolvimento sustentável advindas do dinamismo do movimento ecologista.[24]
O re-desenvolvimento adota hoje a forma de desenvolvimento sustentado, para “nosso futuro comum”, segundo a prescrição da Comissão Brundtland. Ou então, é ativamente encorajado como um re-desenvolvimento verde e democrático, para aqueles que acreditam que a luta contra o comunismo, o leitmotiv do discurso de Truman, acabou. Mas, na interpretação oficial, o desenvolvimento sustentado foi elaborado explicitamente como uma estratégia para sustentar o “desenvolvimento”, não para dar apoio ao florescimento ou a manutenção de uma vida natural e social infinitamente variada.[25]
Assim, desde 1987, com a formulação de desenvolvimento sustentável pela Comissão Bruntland (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), determinando como sendo um tipo de desenvolvimento que “satisfaz as necessidades do presente sem colocar em causa a possibilidade das gerações futuras satisfazerem as suas necessidades”.[26]
Estes movimentos sociais vinculados às questões ambientais, insatisfeitos com o modelo de desenvolvimento imposto pelo capitalismo ganharam apoio social, na discussão de problemas como a poluição, a contaminação por pesticidas e inseticidas usados na agricultura, a desertificação, dentre outros.[27] Assim: “Se o discurso do desenvolvimento/ subdesenvolvimento foi construído como meio para solucionar aspectos centrais de uma questão social, o discurso do Desenvolvimento Sustentável foi construído como resposta a uma questão ambiental.”[28]
A Conferência de Estocolmo retrata a preocupação com o futuro do desenvolvimento limitado pelas fragilidades ecológicas. Em seu ponto 1, a declaração de Estocolmo diz que:
Ponto 1 O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.[29]
No entanto, neste momento, o interesse dos países do Terceiro Mundo, dentre eles o Brasil, era a implementação do desenvolvimento econômico. Assim, os países subdesenvolvidos se mobilizaram contra as medidas que implicassem restrições ao crescimento, já que:
a fragilidade dos instrumentos de pressão de quedispunham e a subalterna posição que ocupavam no campo das relações desiguais de dependência, estabelecidas na ordem internacional. A extensão e amplitude das conseqüências negativas que teriam sobre suas economias a introdução de condicionantes ambientais, seja no direcionamento de investimentos, ou na comercialização da produção, fez com que eles procurassem direcionar todas as suas possibilidades de negociação e alianças no sentido de reafirmarem a prioridade das políticas de desenvolvimento em relação à incorporação das demandas ambientalistas[30]
A Agenda 21 trouxe medidas que dizem respeito às políticas a serem adotadas pelos países em desenvolvimento para se beneficiarem da liberalização do comércio internacional, quais sejam: criação de um ambiente interno favorável a um equilíbrio ótimo entre produção para o mercado interno e a produção para o mercado de exportação; eliminação de tendências contrárias à exportação, bem como desestímulo à substituição ineficiente das importações; e promoção da estrutura política e da infra-estrutura necessária ao aperfeiçoamento do comércio de exportação e importação e ao funcionamento dos mercados internos.[31]
O segundo pilar do desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental, expressa a conciliação do desenvolvimento da atividade econômica com o meio ambiente. O desenvolvimento econômico implica no consumo de recursos, que se tornam indisponíveis, uma vez consumidos: “As atividades econômicas modificam o meio ambiente, e este ambiente modificado representa uma restrição externa para o desenvolvimento econômico e social”. Caso os recursos naturais fossem ilimitados e sua capacidade de reaproveitamento ou de reciclagem fosse integral, não haveriam problemas. No entanto, a realidade é distinta, exigindo um ajuste da atividade econômica atrelada à sustentabilidade ambiental, de modo que a primeira se dê dentro de parâmetros mínimos de respeito à segunda, cuja realização é tarefa do Direito.[32]
A FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), ao mesmo tempo em que incentivava o desenvolvimento e a exploração dos recursos naturais como meio de aumentar a eficiência na produção de alimentos, levantava preocupações com o desgaste destes recursos, principalmente o solo, a água e as florestas.[33]
A questão ambiental para os países subdesenvolvidos foi, então, formulada em termos de “efeito da carência de desenvolvimento”; a carência é que produz efeitos negativos sobre o meio ambiente. Assim, levanta-se uma espécie de barreira ética contra a imposição de restrições ao desenvolvimento. A questão ambiental para os países desenvolvidos foi formulada não como “efeito da afluência”, mas como resultado de uma tecnologia que ainda não estava suficientemente aprimorada. Seria preciso buscar uma maior eficiência não só na utilização dos recursos, como também na diminuição de resíduos poluentes, seja em decorrência de processos produtivos seja em decorrência da utilização do bem (produto) dali resultante. Posta a questão ambiental nesses moldes, estavam dadas as condições de formulação do Discurso do Desenvolvimento Sustentável.[34]
No entanto, as políticas ambientais são extremamente onerosas para os países subdesenvolvidos, que não conseguem arcar com estes custos, sendo essencial a ajuda financeira internacional para a efetivação do desenvolvimento sustentável. Esta ajuda financeira internacional se complementa com a cooperação técnica, ambas cruciais na consolidação dos pilares econômico e ambiental dessa sustentabilidade. Assim:
Reduzir o desenvolvimento ao aspecto econômico é analisar o fenômeno de maneira incompleta. O desenvolvimento sustentável engloba mais que crescimento econômico e proteção ambiental, ele é calcado também na idéia de eqüidade social e bem-estar, que constitui o seu terceiro pilar. Já foi reconhecido que tanto a pobreza como a riqueza extremas pressionam o meio ambiente. Portanto, ao se falar em desenvolvimento sustentável, deve-se considerar também o desenvolvimento social, afinal, é plenamente possível que o crescimento econômico coexista com a pobreza disseminada. Ademais, com o desenvolvimento social as pressões sobre o meio ambiente diminuem, na medida em que o uso sustentável dos recursos naturais auxilia a realização da equidade social. [35]
O desenvolvimento econômico implica no consumo de recursos, pois uma vez que o recurso foi consumido no processo de desenvolvimento não estará disponível novamente. “As atividades econômicas modificam o meio ambiente, e este ambiente modificado representa uma restrição externa para o desenvolvimento econômico e social”[36].
A preocupação com a produção de alimentos e riquezas, apesar de atual, não é fato recente. Daí o desvalor dado à propriedade que não exercia nenhuma função produtiva. Inicialmente, as ações humanas que visavam o aproveitamento e o uso dos recursos naturais renováveis eram, por assim dizer, tímidas e não causavam grandes modificações no mundo. Diante de tamanha força, é natural que a necessidade de se preservar o meio ambiente tenha sido ignorada e a função social da propriedade tenha tido somente um enfoque de incremento à produção. [37]
Nas sociedades em via de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, há uma predominância de políticas agrícolas que privilegiam escolhas econômicas de lucro fácil como as monoculturas extensivas com a utilização intensiva de pesticidas e fertilizantes químicos e a pecuária em grande escala em terras aráveis. Consequência desta escolha são os desmatamentos, os processos de desertificação, a devastação das florestas nativas e a pobreza perpetuada por tais abusos.[38] Na produção agrícola é difícil encontrar um modelo de desenvolvimento sustentável, já que o pequeno proprietário rural, além de não possuir instrução de manejos sustentáveis, não pode, quando se trata de sua própria sobrevivência e de sua família, trocar idéia de produtividade pela de sustentabilidade ambiental, já que os custos da segunda são superiores e muitas vezes inviável.
As posições ecologistas pós-desenvolvimentistas fazem uma crítica radical à idéia de desenvolvimento sustentável. Nos termos contundentes de Daly, “o desenvolvimento sustentável é impossível” (Daly, 1996: 192). Tal como é atualmente utilizado, o termo “desenvolvimento sustentável” é equivalente a “crescimento sustentável”, que, de acordo com Daly, é uma contradição. O crescimento econômico é impossível de sustentar sem destruir as condições de vida sobre a Terra. Portanto, de acordo com esta perspectiva, é imperioso alterar a própria concepção de desenvolvimento. O único tipo de desenvolvimento sustentável é o “desenvolvimento sem crescimento – melhoria qualitativa da base física econômica que se mantém num estado estável [...] dentro das capacidades de regeneração e assimilação do ecossistema” (Daly, 1996: 193). O desenvolvimento entendido como realização de potenciais, como passagem a um estado diferente e melhor, está longe da idéia do desenvolvimento como crescimento, como incremento. As atividades econômicas podem neste sentido, desenvolver-se sem crescer.[39].
Para que o desenvolvimento sustentável saia do campo teórico e ingresse na realidade do meio rural é preciso implementar políticas agrícolas aptas a fiscalizar os grandes produtores agrícolas, impondo regras de manejo sustentável e ao mesmo tempo fomentar o pequeno produtor rural que não possui instrução e nem recursos para custear esta proposta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A globalização, ao mesmo tempo trouxe novas possibilidades para a exportação de produtos agropecuários nacionais deixou os produtores vulneráveis à concorrência, de um mercado consumidor exigente de qualidade e consciente dos problemas ambientais. Somada a isso, o impacto do discurso do subdesenvolvimento imposto aos países do “terceiro mundo” acarreta não apenas discriminação como os subordina a modelos de produção hegemônicos.
No meio rural diante dos movimentos ecologistas nasce o discurso do desenvolvimento sustentável em reação a destruição ambiental provocada pelo modelo de produção agrícola dominante. Formas alternativas de produção também reagem contra a pressão do sistema capitalista buscando um novo olhar para o desenvolvimento por meio de uma gestão solidária.
Além do discurso do desenvolvimento imposto aos países subdesenvolvidos estes se deparam hoje com a cobrança internacional principalmente do mercado consumidor europeu por produtos saudáveis, sem resíduos de agrotóxicos, por uma produção que não agrida o meio ambiente e sem as marcas da escravidão humana. O novo discurso de um desenvolvimento sustentável junto a essas novas cobrança de um mercado consumidor importante e exigente de produtos agrícolas, não houve outra alternativa para o Brasil, enquanto grande produtor de produtos primários, a não ser aderir a estas novas demandas. Criando para tanto, normas e políticas públicas de certificação no meio rural para capacitar e fiscalizar a produção interna.
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** Professora e Mestranda em Direito Agrário pela UFG. Bolsa Capes. Contato: Questo indirizzo email è protetto dagli spambots. È necessario abilitare JavaScript per vederlo..
[1] ESTEVA, Gustavo Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang (Ed.). Dicionário do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Tradução Vera Lúcia M. Joscelyne et al. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 59-83, p. 60.
[2] MACHADO, Vilma. de F. A produção do discurso do desenvolvimento sustentável: de Estocolmo à Rio-92. Brasília, 2005. 328. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) – Universidade de Brasília. p. 63-64.
[10] ESCOBAR V., Arturo. La Economia y El espacio del desarrollo: Fábulas de crescimento y capital. In:.______. Lá invención del Tercer Mundo: Construcción y deconstrucción del desarrollo. Santa Fé de Bogotá: Grupo Editorial Norma. 1996. P. 113- 198, p. 150-151.
[11] ESTEVA, op. cit., p. 68.
[12] ESCOBAR, 1996, p. 166-167.
[13] SANTOS, Boaventura de S. (org.) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. – (Reinventar a emancipação social: para novos manifestos; 2). P. 14
[14] MACHADO, 2005, p. 85.
[15]SANTOS, Boaventura de Sousa e RODRIGUEZ, César. Introdução: para ampliar o cânone da produção.Tradução de Vitor Ferreira SANTOS, Boaventura de Sousa. (org.) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. – (Reinventar a emancipação social: para novos manifestos; 2)p. 21-74, p. 47.
[16] ESCOBAR V., 1996, p. 194.
[17]SANTOS; RODRIGUEZ, 2005, p. 45-46.
[18] ESCOBAR V., op. cit., p. 192.
[19]SANTOS; RODRIGUEZ, op. cit., p. 46.
[21] ESCOBAR V.,op. cit., p. 193.
[22]SANTOS; RODRIGUEZ, 2005, p. 55.
[24]SANTOS; RODRIGUEZ, op. cit., p. 48.
[25] ESTEVA, 2000, p. 72.
[26]SANTOS; RODRIGUEZ, 2005, p. 48.
[27] MACHADO, 2005, p. 137-140.
[28] MACHADO, 2005. p. 140.
[29] ONU, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Declaração de Estocolmo. IDisponível em: .< http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. . Acesso em: 12 ago. 2009.
[30] MACHADO, op.cit., p. 155.
[31] ONU, Conferência das Nações unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21. 3 ed. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 18.
[32] TÁRREGA, M. C. V.; PERES, H. L. A. , A Tutela Jurídica da Biodiversidade: A influência da convenção sobre a diversidade biológica no sistema internacional de patentes. In: TÁRREGA, M. C. V. (Coord). Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, São Paulo: RCS Editora, 2007. p.1-116, p. 26-27.
[33] MACHADO, 2005, p. 143.
[34] MACHADO, 2005, p. 201.
[35] TÁRREGA, M. C. V.; PERES, H. L. A. , A Tutela Jurídica da Biodiversidade: A influência da convenção sobre a diversidade biológica no sistema internacional de patentes. In: TÁRREGA, M. C. V. (Coord). Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, São Paulo: RCS Editora, 2007. p.1-116, p. 29-30.
[36] DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2º ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 142
[38] Wolff, Simone. Meio Ambiente x Desenvolvimento + Solidariedade = Humanidade... Disponível em: .. Acesso em: 15jun. 2009.
[39]SANTOS; RODRIGUEZ, 2005, p. 54.